Catedra Português Instituto Camões UEM

Dicionário de Regências de Verbos do Português de Moçambique

(a partir de 1986)

Perpétua Gonçalves e Víctor Justino

Colaboração: Maria Fernanda Bacelar do Nascimento e Luísa Alice Pereira


O Dicionário de Regências de Verbos do Português de Moçambique (DRVPM) tem como principal objectivo disponibilizar uma base de dados constituída por verbos que apresentam propriedades lexicais distintas do português europeu padrão (PE), estabelecido oficialmente como referência em Moçambique.

De uma forma geral, os falantes do PM também usam os verbos incluídos neste dicionário de acordo com a norma padrão europeia. Essas ocorrências não foram aqui incluídas, uma vez que apenas se pretende registar os casos em que a variedade moçambicana se distingue dessa norma. Veja o Dicionário de Regências…

Neste dicionário, estão incluídas as frases em que houve alterações na categoria sintáctica dos complementos verbais ou na escolha da preposição que introduz  complementos preposicionados. Está no primeiro caso o exemplo abaixo (1a), em que o complemento nominal do verbo no PE padrão está realizado como um SP. Está no segundo caso o exemplo (1b), em que é usada a preposição de, e não a preposição em, que é requerida pelo verbo no padrão europeu. 

No tratamento formal das frases contidas no DRVPM, adoptaram-se as seguintes convenções:
  • A categoria sintáctica de todos os complementos verbais é assinalada através de uma etiqueta categorial, subscrita ao primeiro parênteses. Sobre as etiquetas usadas, veja a Lista de Convenções…
  • Os complementos verbais em que se registam alterações relativamente ao PE padrão estão delimitados através de parênteses rectos, em azul (cf. [SN coisas íntimas], em (1c)). Caso o verbo tenha outro complemento em que não há alteração relativamente ao PE padrão, este é igualmente delimitado através de parênteses rectos, sem recurso a uma cor diferente (cf. [SP connosco], em (1c)).

 (1)    a. PM: vamos convidar [SP aos órgãos de comunicação social] (PE = [SN os órgãos de comunicação social])

b. PM: andaram [SP daquele camião] (PE = [SP naquele camião])

 c. PM: não pode conversar [SN coisas íntimas] [SP connosco] (PE = não pode conversar [SP sobre coisas íntimas] connosco)

  • As formas átonas dos pronomes pessoais, estão colocadas entre parênteses rectos, sem etiqueta categorial. Exemplo:

 (2) deixam-[lhes] assim (PE = deixam-[nos] assim)

  • Para todas as frases, fornece-se, entre parênteses, o equivalente no PE padrão, usando o símbolo ‘=’. Note-se que, nas frases do PE, só se dá um tratamento formal aos complementos que se distinguem do PM. Retome-se o exemplo (1c), em que, no equivalente em PE, apenas o complemento sobre coisas íntimas está entre parênteses rectos, com etiqueta categorial.

 (1c)’ não pode conversar [SN coisas íntimas] [SP connosco] ( PE = não pode conversar [SP sobre coisas íntimas] connosco)

  • Nos casos em que não existe um equivalente no PE padrão e/ou em que a interpretação das frases não é clara para não falantes da variedade moçambicana do português, usou-se o símbolo ‘≈’, como no seguinte exemplo:

 (3) todos os dias despede [SP em casa] (PE ≈ todos os dias se despede da família)

As frases passivas formadas a partir de verbos não transitivos no PE padrão, que ou seleccionam um complemento preposicionado (complemento indirecto ou oblíquo), ou são intransitivos mereceram um tratamento especial. Assim, a fim de dar conta das alterações de regência verbal que tornam possíveis estas frases passivas em PM, optou-se por estabelecer, em primeiro lugar, as contrapartes activas dessas frases, só se fornecendo, para o PE padrão, os equivalentes das frases na voz activa. Veja-se o formato dado a este tipo de frases no dicionário:

 (4)    a. Complemento indirecto (em PE)

 Frase original: [o meu irmão] foi oferecido [SN um livro] [SP pelo meu pai]

PM: frase na voz activa = o meu pai ofereceu [SN o meu irmão] [SN um livro] (PE = o meu pai ofereceu um livro [SP ao meu irmão])

 b. Complemento preposicionado, oblíquo (em PE)

 Frase original: [os rapazes] tinham sido sexualmente abusados por padres

 PM: frase na voz activa = padres abusaram sexualmente [SN os rapazes] (PE = os padres abusaram sexualmente [SP dos rapazes])

Nos casos em que o agente da passiva não está presente, optou-se por colocar um pronome genérico, alguém (cf. exemplos (5)), na posição de sujeito da frase activa.

Nos casos em que a posição de sujeito da frase passiva está vazia, colocou-se uma forma átona do pronome pessoal na contraparte activa (cf. nos em (5b), “equivalente” ao pronome nós da frase passiva, se a posição de sujeito estivesse preenchida lexicalmente).

 (5)    a. Frase original: [os jovens] são dados [SN responsabilidades de família]

PM: frase na voz activa = [alguém] [SN os jovens] [SN responsabilidades de família] (PE = alguém dá responsabilidades de família [SP aos jovens])

b. Frase original: [ - ] fomos apresentados [SN 12 objectivos]

 PM/PE: frase na voz activa = alguém [nos] apresentou 12 objectivos

Note-se que, apesar de, em (5b), as frases activas serem idênticas nas duas variedades, só em PM, mas não em PE, é possível formar frases passivas a partir de activas em que o complemento indirecto é um pronome. Isto deve-se ao facto de que, em PM, este complemento pode ser realizado como um SN (cf. os jovens, em (5a)), ao passo que, em PE, o constituinte com a função de complemento indirecto é sempre, e obrigatoriamente, realizado como um SP regido pela preposição a (cf. aos jovens, no equivalente em PE da frase (5a)).

Refira-se ainda que, embora o agente da passiva não seja um complemento do verbo, foram inseridos no dicionário os casos em que este não é regido pela preposição por,  requerida pela norma europeia, por se considerar que esta diferença atesta diferenças entre o PM e o PE, a nível das estruturas frásicas que contêm verbos transitivos. Exemplos:

 (6) os gatunos estavam a ser perseguidos [SP com as autoridades] (PE = estavam a ser perseguidos [SP pelas autoridades])

O DRVPM insere-se numa linha de pesquisa qualitativa, contendo apenas dados de observação, orais e escritos. São as seguintes as fontes de onde foram extraídas as frases do dicionário: (i) meios de informação moçambicanos (jornais, revistas, televisão); (ii) corpora recolhidos no âmbito de diferentes pesquisas, incluindo teses/dissertações de licenciatura, mestrado e doutoramento; e (iii) produções espontâneas, orais ou escritas, de falantes moçambicanos, numa variada gama de situações (intervenções em sala de aula ou em conferências, testes, mensagens por telefone, etc.). Veja a Lista de Fontes...

A fim de permitir ter alguma informação sociolinguística sobre os dados recolhidos, cada frase é seguida de um código, que indica: o tipo de produção (oral ou escrita); o grau de instrução do informante (primário, secundário ou universitário), sempre que esta informação está disponível; a fonte da qual foi extraída a frase, no caso de dados extraídos dos meios de informação; e o ano de produção da frase. Exemplos: o código EU04 indica que a frase foi produzida num texto escrito (E), por um estudante universitário (U), em 2004 (04); o código EJN11 indica que a frase ocorreu num texto escrito (E), publicado no jornal (J) Notícias (N), em 2011 (11). Veja a Lista de Convenções…

Note-se que não foram inseridas neste dicionário todas as frases localizadas nas fontes disponíveis, tendo-se optado por colocar um máximo de cinco ocorrências por cada tipo de estrutura ou por cada verbo. Por exemplo, no caso do verbo dizer, registam-se três tipos de alterações relativamente ao PE padrão: regência de complementos oracionais (i) pela preposição de e (ii) pela preposição para (cf. (7a) e (7b), respectivamente), e (iii) ocorrência de frases passivas em que o complemento indirecto do PE padrão está na posição de sujeito (cf. (7c)). Neste caso, são apresentadas 5 frases por cada tipo de estrutura, (i)-(iii). 

 (7)    a. disse [SP de que a bicicleta não estava em condições] (PE = disse [FFin que a bicicleta não estava em condições])

b. eles disseram-[lhe] [SP para que estivesse descansado] (PE = eles disseram-lhe [FFin que estivesse descansado])

c. [ - ] foram ditos [SP pela população] [FFin que os BAs tinham passado por ali] PM/PE: frase na voz activa = [a população] disse-[lhes] [FFin que os BAs tinham passado por ali]

 

Esta versão do DRVPM contém 413 verbos, num total de 1221 ocorrências.

Este dicionário é revisto e actualizado regularmente.


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